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Sem medo da dúvida


20 de novembro de 2013

Parece que há apenas duas posições possíveis para o analista, o crítico e o historiador: o comprometimento cego ou a isenção desinteressada. Aquele é representado pelos que se colocam como ideólogos propagandistas de certa maneira de pensar, pondo de lado qualquer demonstração que seja contrária à sua ideologia, religião e convicções, enquanto esta encontra seus exemplares nos que se mantém como observadores impassíveis e em uma posição superior em relação a tudo o que acontece, como se nada os afetasse de verdade. O primeiro tipo é formado por pessoas imaturas, que não conseguindo sair psicologicamente da adolescência, vêem o mundo apenas por um prisma muito pessoal, apegando-se a ideias e grupos que, de alguma maneira, confortem seus corações inseguros; o segundo tipo é formado por psicopatas, muitas vezes inteligentes, que não têm empatia com nada, mas vivem como se o mundo se desenrolasse completamente à parte de suas próprias vidas.

Como a grande maioria das pessoas que observo parece se encontrar em um desses pólos, não é difícil entender porque muitos não compreendem quando afirmo que busco compreender as coisas de uma maneira isenta, sem permitir que minhas convicções atrapalhem meus estudos. É que aqueles que apenas vêem o mundo pela ótica de sua religião ou ideologia não conseguem conceber qualquer pensamento que não corrobore suas ideias. O mundo, para eles, está dividido entre os favoráveis àquilo que pensam e os inimigos de sua forma de pensar. O que eles fazem é inverter a máxima cristã: transformam o quem não é contra nós, é por nós, por quem não é por nós, necessariamente está contra nós. Do outro lado, os que se vêem como superiores a todas as manifestações da humanidade, acreditando que não são afetados por nada, apenas projetam na minha afirmação suas próprias imagens. E como eles acreditam não se prenderem a convicção alguma, acham que não tenho as minhas; e como confundem isenção com repulsão, acham que não acredito em nada.

Como bem afirmou Penrose St. Amant, "a fé não tem poder para criar história nem dá licença para distorcê-la". Mas os comprometidos inveterados não querem saber disso. Mandam às favas os fatos e acolhem apenas aquilo que interessa para a promoção de sua religião ou ideologia. Dessa forma, criam uma história fantasiosa, quando tudo o que envolvia seus pais espirituais era perfeito, sem nenhuma mácula, nem vacilos, nem falhas. Consequentemente, não conseguem enxergar nada de positivo em uma manifestação que não seja exatamente a de confirmação de sua própria fé. Na verdade, agem como se fossem garotos da bolha, presos em uma redoma hermética, vivenciando apenas aquilo com que já se comprometeram de antemão.

Se, ainda, tal comprometimento fosse fruto de muita reflexão e estudos, tal extremismo seria até aceitável ou, ao menos, compreensível. O problema é que são pouquíssimos os que fizeram reflexões e estudos sérios sobre qualquer coisa. No máximo, foram atraídos por mera empatia ao que hoje defendem como se fosse uma verdade única e definitiva, impossível de ser minimamente criticada. A impressão que tenho é que vivemos em uma sociedade onde todos sabem exatamente o que querem, conhecem já muito bem todos os caminhos, são exímios entendedores dos assuntos mais profundos e excelsos da alma humana e das questões mais penetrantes do ser. Sendo assim, não aceitam alguém que confessa ter dúvidas, que se conforma em viver ainda em busca da compreensão das coisas e não arrota, como eles, certezas para todos os lados.

Sejamos francos, quem neste país é profundo conhecedor de qualquer coisa para dizer com certeza que tudo o que acredita é verdade absoluta? E quem estudou suficientemente para determinar que as coisas são de tal e qual maneira a ponto de ver qualquer ideia contrária como absurda e inimiga? Pouquíssimos!

Cheguei a conclusão que vivemos em uma sociedade antifilosófica. Pois a Filosofia se caracteriza, principalmente, pela busca da verdade, pela procura do conhecimento. Mas apenas procura quem ainda não encontrou, não é? Somente quem aceita que não está ainda na posse da verdade plena, que há diversos assuntos que ainda precisam ser esclarecidos, pode se colocar na posição de quem busca essa verdade. Quem, pelo contrário, já se vê como possuidor dos conhecimentos necessários para a compreensão de tudo, o que sobrará para buscar? Daí, sua dificuldade de enxergar a dúvida alheia como uma virtude. Para ele, a dúvida não é um estágio necessário para o crescimento intelectual, mas apenas uma demonstração da fraqueza da alma de quem a possui.

Isso não significa que não existam convicções. A pergunta que faço é: quais dessas convicções são realmente fruto de uma análise profunda e uma reflexão acurada? Claro que não conseguimos viver sem convicções. No entanto, tenho consciência que boa parte das minhas não foram adquiridas pela observação metódica e meditação incessante. A grande maioria, confesso, se instalou em mim por herança, por experiência ou por intuição. E é certo que estas não são portos seguros definitivos para o conhecimento da verdade. No máximo, são atracadores temporários que, apesar de não permitirem que fiquemos à deriva, podem ser substituídos por algo mais bem construído e definitivo.

O crer para conhecer agostiniano é apenas um princípio. Sem algumas certezas evidentes não é possível desenvolver os raciocínios mais triviais. Porém, o que é evidente senão algumas poucas verdades essenciais, as quais, apesar de indispensáveis e quase suficientes, ao menos em número são ínfimas em relação à complexidade do mundo presente?

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