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Os Simpsons no Brasil


09/10/2013 - Esse episódio dos Simpsons faz diversas referências a situações realmente existentes no Brasil. Por ser uma paródia, claro que há hiperbolismos a fim de ressaltar as características desejadas. Porém, apenas um ufanista cego não enxerga ali o retrato de nossa sociedade.


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Quando o orgulho nacional é ferido e a identidade de um país é vilipendiada, o povo costuma tomar tais investidas como uma agressão pessoal. Essa foi a sensação de muitos brasileiros ao assistirem ao episódio do Simpsons no Brasil, passado há mais de 10 anos. "Os Simpsons" é aquele desenho animado que conta estórias de uma família tipicamente americana, moradora de uma cidadezinha obscura do interior dos EUA, com um humor sarcástico e despojado. Na verdade, os Simpsons não costumam preservar ninguém, distribuindo seu humor para todos os tipos da vida americana.

No entanto, em um dos episódios, a família Simpson decidiu viajar para o Brasil, isso porque uma de sua filhinhas (aquela que é defensora de tudo o que é politicamente correto) queria conhecer o menino órfão, chamado Ronaldo, com quem ela se correspondia e a quem ela ajudava.

O episódio traz várias referências ao tipo de vida brasileiro. À primeira vista, as cenas soam agressivas e desrespeitosas. A primeira reação de quem assiste, principalmente sendo brasileiro, é achar que os roteiristas exageraram. Porém, se analisarmos as cenas com o mínimo de isenção e bom senso, veremos que o que elas retratam não está tão fora da realidade assim.

Descreverei algumas passagens escolhidas e comentarei logo abaixo:

Cena 1
O pequeno Ronaldo aparece pela primeira vez em um vídeo enviado pelo orfanato à família Simpson, agradecendo as doações. Ele diz, na fita, que com o dinheiro recebido pôde comprar tênis novos que iriam durar muitos carnavais (daí começa a dançar). 

Aqui se apresenta a alma brasileira. O tempo, no Brasil, é contado por Carnavais passados, como se esta festa fosse a referência principal do povo. Não são as primaveras, nem os verões, nem mesmo os Natais que informam o brasileiro que o tempo passou, mas o Carnaval. Isso pode soar agressivo para alguém como eu, que trabalho duro e odeia essa festa, mas como negar que é a nossa própria propaganda que vende essa ideia? Não somos nós mesmos que dizemos que o ano começa somente após o Carnaval?

Cena 2
No mesmo vídeo, o menino órfão agradece a família,  pois com o troco do dinheiro enviado por ela o orfanato pôde comprar uma porta, evitando assim que os macacos invadissem o local (na mesma hora uma turba de macacos corre atrás dele, que se esconde no orfanato.

Aqui, aquela velha ideia que o Brasil é um grande Safari aparece. Claro que isso é um equívoco, mas, o mais interessante de tudo é que, apesar de o desenho fazer críticas ácidas ao modo de vida do brasileiro, o que mais incomodou as pessoas por aqui foi exatamente a citação sobre esses animais, o que é mais uma prova que os valores estão todos invertidos em nosso país.

Cena 3
Quando chegam no Brasil, Margie, a mãe, lê em um guia que no país se pode ir a qualquer lugar seguindo uma fila de Conga. Homer não se demora a se enganchar em uma e sair dançando.

Esse é o retrato daquilo que o brasileiro mais se orgulha - seu espírito alegre! Como se a diversão e o balanço fossem os direcionadores da vida nacional. O pior é que é essa imagem mesmo que passamos. Sempre adoramos exportar mulatas sambistas, o maior orgulho nacional na música é Ivete Sangalo e quando dizemos que o Brasil é o melhor lugar para se viver, normalmente é por causa da alegria e receptividade de seu povo. Portanto, me parece que a referência do desenho não está muito fora da realidade.

Cena 4
Quando chegam ao hotel, Bart, o filho, diz que realmente, no Brasil, as pessoas gostam de futebol. Daí aparecem os funcionários do hotel executando suas funções como se estivessem em uma partida. 

Bom, basta vermos a capa de todos os jornais na segunda-feira para termos uma ideia da hierarquia de importância dos assuntos brasileiros.

Cena 5
No quarto, enquanto a família descarrega suas malas, Bart está compenetrado na TV. Margie, então, pergunta o que ele está assistindo. Ele responde que é um programa infantil. Na TV está uma moça bonita de maiô, dançando, enquanto se esfrega em seus assistentes de palco vestidos de animais. Suas assistentes, com shorts pequeninos, se esfregam, por seu lado, nas letras do alfabeto no fundo do palco.

Apesar de ser uma paródia e, por isso, contendo exageros óbvios, quem não vai lembrar, por exemplo, dos programas da Xuxa, com suas roupas sexy e suas assistentes atraentes? Apesar dessa referência ser agressiva, talvez seja a mais realista do episódio. Eu não tenho dúvidas que mais de uma geração de crianças foi corrompida pela Xuxa e suas imitadoras.

Cena 6
A família então sai à procura do desaparecido Ronaldo. Para isso, entram em uma favela. Margie se encanta com a vivacidade do local, mas Lisa a alerta que as casas foram pintadas coloridas apenas para não agredir os turistas (nesse momento passa um monte de ratos pintados também).

O que é a insistente tentativa de promover a ideia de que as favelas são locais habitáveis e honrados? Nos acostumamos tanto com elas e nos esforçamos tanto para não nos convencermos que a mera existência delas é um absurdo que as pintamos com cores lindas para o mundo. Ao invés de exterminá-las, as glorificamos.

Cena 7
Homer e Bart vão para a praia de Copacabana. Vestidos com suas roupas habituais são parados pelo salva-vidas, que está vestido com uma minúscula sunga e os informa que aquelas roupas que são proibidas naquele local. Então arruma para eles duas sungas compatíveis com os trajes locais.

Mesmo morando em Santos, uma cidade praiana, há muitos anos não frequento a praia. Aquilo, nos dias de sol, me parece bem uma Sodoma moderna. As praias brasileiras não são, por muito pouco, encontros de nudismo. Na verdade, nenhum cristão deveria frequentá-las, para tentar preservar um mínimo de santidade, sanidade e domínio próprio.

Cena 8
Margie e Lisa procuram pelo menino em uma escola de dança. Quando chegam lá o professor, do tipo latino sexy, mostra para elas as danças ensinadas, dizendo que a mais nova delas, chamada "rebolada", deixaria as anteriores parecendo dança de criança. Margie se assusta e diz que aquilo não era para sua filha assistir e o professor arremata dizendo que ela não poderia esconder sua filha dessas coisas para a vida toda.

Há tempos o Brasil tem lançado à fama músicas e danças com forte apelo sexual. E a cada ano a audácia dessas danças realmente superam as anteriores. E o pior é que as crianças não são nada preservadas dessa loucura. Aqui, cansamos de ver criancinhas dançando sobre garrafas e fazendo movimentos fortemente sexuais. Alguém vai negar isso?

Cena 9
Em uma feira, Homer e Bart são distraídos por uma vendedora para que os filhos dela pudessem roubá-los, arrancando seus bolsos.

Aqui talvez seja a citação mais agressiva do episódio, pois pode passar a ideia que o brasileiro é um criminoso nato. Porém, mesmo sabendo que isso não é verdade, nosso números de criminalidade dão margem para que as pessoas acreditem que boa parte dos brasileiros está no mundo do crime. As estatísticas aqui são impensáveis em qualquer país do mundo.

Cena 10
Homer é sequestrado por um taxista não licenciado e levado para a Amazônia.

Bom, eu mesmo já tive amigos e familiares sequestrados ou mantidos em cárcere privado. Não me parece que uma referência a isso seja algo tão fora de nossa realidade.

Cena 11
Margie os filhos se veem dentro de um desfile de Carnaval. Sentem que a música e a batida são irresistíveis. Um dos participantes afirma que é impossível fugir do Carnaval.

Não há descrição mais exata. Eu mesmo sempre tento me afastar dos centros urbanos no Carnaval. Porém, invariavelmente, mesmo nos lugares afastados que me encontro, as referências carnavalescas aparecem. Sem contar que ligar a tv nessa época é altamente não recomendado para quem quer esquecer que existe essa festa maldita!

Cena 12
No desfile, encontram Ronaldo. Ele é um dos personagens de um carro alegórico. Na verdade, ele diz que ganha muito dinheiro fazendo isso e como não tem pais não tem ninguém para roubar seu dinheiro.

Me canso de ver a tentativa de transformar as escolas de samba em locais de oportunidade. Ignorando todo o mal que trazem por conta da própria mensagem e do ambiente em que estão inseridas, elas são tidas por aqui como agregadoras sociais, esquecendo de tudo o que as financia, como o jogo-do-bicho e mesmo o tráfico de drogas.

Quanto à referência aos pais ladrões, é notório como pais tem usado seus filhos para tentar ganhar dinheiro, colocando-os em desfiles, levando-os à agências de moda e fazendo de tudo para que eles ingressem no mundo da fama e do show business.

Cena 13
Homer é libertado com o pagamento do resgate, com o dinheiro dado por Ronaldo. O episódio então termina com Bart comido por uma jiboia, porém dançando samba dentro dela.

É bem verdade que, no Brasil, o Carnaval é mostrado como a cura de todas as dificuldades. É nessa época que o brasileiro esquece de tudo e se diverte. Não é essa mesma a propaganda dessa festa? Não é assim que seu amigos de escritório se sentem? Os exageros carnavalescos não são um forma de colocar para fora toda a pressão que a vida cotidiana exerce? O Carnaval não é a fantasia existente para que esqueçamos a desilusões cotidianas?

Comentário final

Veja que esse episódio dos Simpsons faz diversas referências a situações realmente existentes no Brasil. Por ser uma paródia, claro que há hiperbolismos a fim de ressaltar as características desejadas. Porém, apenas um ufanista cego não enxerga ali o retrato de nossa sociedade.

O pior é que apesar de tudo, o que mais incomodou muita gente por aqui foi a referência aos macacos, fazendo com que Homer, em outro episódio, ao citar o Brasil, dissesse que os problemas com os macacos continuavam por aqui.

Na verdade, esse desenho deveria ser passado nas salas de aula das faculdades de Sociologia, Filosofia e História. O que ele mostra é a essência de nossa alma. Uma essência que muitos de nós queremos negar, fingir que não existe. Porém, por mais que eu não me identifique com ela, não posso negar que é ela quem define o espírito do nosso país.

Quando citamos que nem todo brasileiro é desse jeito, apenas confirmamos que é esse espírito festeiro que define nossa identidade. As exceções são a confirmação da regra. E não gostar de Carnaval, no Brasil, é fazer parte de uma minoria. Mas, mesmo para esta minoria, resta o futebol para não se sentir assim tão deslocado da alma nacional.

E mesmo que essa dura realidade precise ser demonstrada por um estrangeiro, há muita gente que ainda acredita que o verdadeiro problema no Brasil são os macacos.