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Eu não quero me mobilizar

Publicado originalmente em 12 de outubro de 2012

"O núcleo de uma sociedade saudável, próspera e minimamente feliz não está nos grandes movimentos (os quais, aliás, costumam causar muito mais desgraças do que benefícios), mas na manutenção da família, dos amigos e da comunidade próxima. Isso já dá um trabalho enorme para todos nós"

Cresci ouvindo que passeatas, mobilizações, comícios e aglomerações eram sinal de que ali se encontravam homens de elevada nobreza, pois seus atos demonstravam preocupação pública, momentos que as pessoas mais alienadas jamais se envolviam. Cheguei a participar de alguns desses movimentos, como o dos “caras-pintadas”. Tudo sem muita consciência, mas convencido de que aquilo tudo era a melhor maneira de adentrar no mundo adulto. Sentia-me assim uma pessoa que se colocava em uma posição mais virtuosa, pois, segundo me ensinavam, era desse jeito que os homens de elevada estirpe deveriam se comportar. 

Para ser bem sincero, apesar de eu ir me envolvendo com aquilo, inclusive observando o movimento que havia do Partido Comunista, dentro da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Santos, que ficava em frente à minha escola, a qual fazia parte da mesma instituição, no fundo já sentia que tudo aquilo tinha muito de estética e pouco de profundidade sincera. Mas eu era um adolescente de 15 anos e quais eram as minhas armas intelectuais para entender tudo aquilo? 

Ainda acabei fazendo amizade com uma menina que, apesar de ter a mesma idade que eu, já estava mergulhada naquele negócio de marxismo, comunismo, socialismo e, inclusive, declarando um anticristianismo abertamente. A impressão que eu tinha era que tanto ela como seus amigos do Partidão eram intelectualmente e moralmente superiores. Aos meus olhos, parecia que eles conversavam coisas que eu não alcançava e se preocupavam com assuntos que eu sequer cogitava. Enfim, eu me sentia um estúpido, enquanto eles eram os verdadeiros sábios. 

Isso me fez crescer com a impressão de que os marxistas eram o verdeiros heróis, que eles abdicavam de suas vidas em favor do bem da sociedade, de um mundo melhor, afinal. 

Conversando com amigos e ouvindo outras pessoas que narram experiências similares, percebo que todos nós acabamos crescendo com essa impressão: a de que os socialistas são os salvadores da humanidade; que neles está a personificação dos mártires, dos heróis, dos amigos da sociedade e do planeta. Fomos formados acreditando que, se quisermos ser cidadãos valorosos, devemos colocar acima de tudo uma ideologia e que esta seja, primordialmente, voltada para mudar o mundo. 

Em mim, este encanto foi definitivamente quebrado em meados de 1998, quando tive acesso ao Imbecil Coletivo, do Olavo de Carvalho. Já com 23 anos de idade, tive a graça de ler alguém que, com maestria, descontruia tudo o que haviam colocado dentro de mim em tempos de escola e faculdade.

Porém, fico pensando quantos ainda não tiveram esse feitiço quebrado? Quantos jovens, e até não tão jovens, doutrinados a acreditar que a ideologia é o melhor bem que um indivíduo pode ter, se deixam levar por essa ilusão, sentindo-se em débito com a sociedade por não se empenharem em sua mudança. A sensação que muitos têm é que estão sendo egoístas, apenas se preocupando com seus afezeres cotidianos, enquanto outros, os verdadeiros abnegados, se dedicam para fazer deste um mundo melhor. 

Nessa linha de pensamento que ouvi, em um simpósio que participei no final de 2011, juntamente com Nivaldo Cordeiro, Fernando Antoniazzi e outros, de uma senhora que trabalha em grupos pró-vida no Congresso Nacional, a seguinte indagação: “Por que os grupos militantes conseguem colocar tanta gente em uma Parada Gay na Avenida Paulista, por exemplo, e nós, cristãos, não conseguimos nos mobilizar?” 

A pergunta, apesar de aparentemente ter as melhores intenções, traz, em seu bojo, a mesma ideia que estou afirmando aqui que forjou nossa educação nos últimos anos: de que bons são os que se mobilizam, maus os que estão cuidando de seus afazeres pessoais. Em sua indagação, aquela senhora (que descobrimos que trabalha em outras áreas a favor do governo) deixou transparecer quais eram seus valores, os quais, decididamente, não são os meus. No fundo, sua pergunta é uma afirmação: de que os cristãos conservadores são acomodados e egoístas, e, por isso, não se mobilizam. 

A primeira resposta, porém, surgiu como um raio, do próprio Nivaldo Cordeiro, que lembrou a todos os presentes que esses grupos que se mobilizam têm, à sua mercê, um financiamento alto do governo, uma máquina de propaganda favorável e toda uma série de privilégios que jamais seriam disponibilizados a grupos conservadores, nem a igrejas, nem a qualquer instituição que não professasse os ideais socialistas que dominam o mundo político brasileiro. 

Mais tarde, tive a oportunidade de me pronunciar, e afirmei categoricamente um outro motivo porque os religiosos e conservadores não se mobilizam: simplesmente porque eles estão vivendo a naturalidade da vida dada por Deus. 

Pode parecer estranha essa afirmação, mas ela reflete exatamente o que acredito. Nós não vivemos para mudar o mundo, para mudarmos as pessoas, para impormos qualquer ideologia a ninguém. Nós existimos como seres individuais que têm como fim último o alcançar a Deus. Nesse caminho, há a caridade, a amizade, o amor também. Mas estes são o reflexo da nossa alma, não da nossa ideologia. 

O que eu quero dizer é que o núcleo de uma sociedade saudável, próspera e minimamente feliz não está nos grandes movimentos (os quais, aliás, costumam causar muito mais desgraças do que benefícios), mas na manutenção da família, dos amigos e da comunidade próxima. Isso já dá um trabalho enorme para todos nós. Lutamos para sustentar nossas famílias, educar nossos filhos, ajudar nossos amigos, estender nossas mãos, dentro de nossas escassas possibilidades, a algumas pessoas que precisam. Como já escrevi uma vez: 

“Há muitas formas de heroísmo. Entre as maiores está a de ser pai ou mãe e ser responsável pelo sustento e educação de seus filhos. Feliz é o homem e a mulher que enxerga essa missão como uma verdadeira vocação divina. Triste daqueles que vêem isso apenas como uma obrigação inescapável. Perguntaram, um dia, por que as pessoas comuns não se mobilizam contra os avanços dos grupos ideológicos. A resposta é simples: elas vivem a batalha heróica de viver a vida para os seus, não permitindo que se percam”

Não sou contra as mobilizações, e até acho que os conservadores estão precisando se organizar mais e melhor. No entanto, isso não quer dizer que eu acredite que esses grandes movimentos e o engajamento político sejam as maiores das virtudes. Muito pelo contrário, basta olharmos boa parte desses militantes esquerdistas e veremos pessoas que colocaram suas famílias em segundo plano, a fim de poderem colocar em marcha suas ideologias. Por isso, não me venham cobrar-me por mobilização, pois ser um homem cristão e conservador já me dá um trabalho terrível!