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A falibilidade dos planos humanos

26 de novembro de 2012

A consciência da falibilidade humana é fundamental para uma vida sadia. Grandes erros são cometidos por falta de noção da transitoriedade das coisas. Muitos planos são traçados como se a existência fosse estática, se as coisas nunca mudassem e tudo fosse previsível. Por causa disso, a chance deles serem frustrados são enormes. Esperar que tudo seja exatamente como pensamos é um erro inocente, pueril.

Ainda assim, a maioria das pessoas age como se tivesse em suas mãos o controle do futuro. Planejam seus negócios, traçam suas metas, projetam suas carreiras tão perfeitamente que é como se a vida não apresentasse contingências, mas pudesse ser controlada em todos os seus aspectos.

O problema é que, apesar de haver, em um plano geral, uma certa estabilidade, pois os fatos se repetem, e nada de muito novo ocorre neste mundo, quando observamos a relação do indivíduo com a complexidade da vida, toda previsão torna-se incerta e os planos se mostram apenas como desejos sem qualquer garantia.

Para algumas pessoas isso parece ser algo horrível. Imaginar que elas sequer podem ter certeza do que acontecerá no dia seguinte lhes causa o medo da insegurança. E sendo este insuportável, o refúgio dá-se no engano de crer que quando as coisas são bem planejadas nada pode impedir os resultados almejados.

Isso é um tanto similar ao medo da morte. Todos sabemos que a vida humana é um sopro. Ainda assim, vivemos como se fossemos, se não eternos, ao menos duráveis. Lutamos por coisas que pouco desfrutaremos, batalhamos por resultados que jamais veremos e desperdiçamos tempo com trabalhos que nunca darão seus frutos. Fazemos tudo isso enganados. Na verdade, enganamo-nos, a fim de que a vida pareça ter algum sentido. Quando vivemos como se durássemos mil anos, talvez estejamos tentando, inconscientemente, enganar a morte.

A morte, porém, jamais foi enganada. Por isso, a forma mais saudável de vida é o reconhecimento que ela é um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece (Tg 4.14). Quando a pessoa toma consciência disso, evita aquela existência esquizofrênica, que, mesmo diante da realidade nua, insiste em vesti-la com roupas extravagantes.

O homem, no entanto, costuma ser orgulhoso demais para aceitar tamanha fragilidade. Prefere, como um rei louco, parecer são e respeitável, prolatando seus decretos, ainda que ninguém os obedeça, ao invés de reconhecer que o seu poder é mínimo e que, não importa o que diga, as coisas acontecem independente de seus desejos.

Apesar de tudo isso, de toda a complexidade e contingência da vida, ela não é um caos. A perplexidade existe apenas no plano do indivíduo. Há uma ordem superior e uma harmonia universal. Há uma estabilidade que, a despeito da variabilidade do movimento terreno, impede este de ultrapassar certos limites. Como um aquário, no qual os peixes tem seus movimentos livres, porém dentro dos limites impostos. Podem nadar, multiplicar-se, matar-se e tudo isso afeta suas vidas individuais. Porém, apesar dessa liberdade, o aquário mantém-se intacto, sempre haverá peixes, sempre haverá vida.

Não que sejamos como animais, longe disso. Nossa racionalidade nos aproxima de Deus e nos torna mais parecidos com Ele. No entanto, ser racional significa mais compreender as coisas do que controlá-las. Os peixes de um aquário jamais compreendem sua limitação e sua dependência. O homem, sim, mesmo sem poder determinar seu destino, pode entendê-lo e reconhecer que as coisas não estão sob seu controle, mas nas mãos de um poder superior.

Saber isso é fundamental. E, como esse poder superior necessita ser racional, pois, do contrário, não existiria ordem, o reconhecimento de que Deus é o senhor absoluto de todas as coisas e apenas Ele tem o controle do futuro torna-se inescapável.

Então, a atitude mais sábia diante disso é dizer que se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo (Tg 4.15). E, diferente do que muitas pessoas pensam, esse posicionamento denota menos obediência e mais inteligência. Deixar que Deus conduza nossos passos não é uma ação meritória daquele que, em uma humildade valorosa, se apresenta como um servo bom, mas uma postura inteligente de quem reconhece sua própria falibilidade e inconstância e se posiciona ao lado de quem realmente detém o poder.

O ser humano é realmente impressionante: por um lado, se orgulha acreditando que pode ter controle absoluto de seus passos; por outro lado, se orgulha de ser bom o bastante para fazer a vontade de Deus. Ambos, na verdade, acabam por cometer o mesmo erro: não percebem sua própria fragilidade e inconstância.

Toda essa presunção é efeito da incompreensão da realidade. Quando alguém se orgulha de algo que faz demonstra que não entende que, se faz, isso deve-se à misericórdia, permissão e capacitação dadas por Deus. Ainda que o ato humano pudesse ter algo de meritório, este mérito se anula quando se reconhece o fundamento divino que o possibilitou praticá-lo. Como uma criança que pedisse dinheiro para o pai para dar a um mendigo. Apesar de haver algum mérito em seu ato, este é anulado, pois a caridade pressupõe a doação e não há doação do que não lhe pertence. Quando o homem faz algo bom, isso deve ser contado em favor de Deus, pois a própria bondade humana é concedida gratuitamente por Ele e sem Ele não existiria. Então, o que se gloriar, glorie-se nisto: em conhecer a Deus que faz misericórdia, juízo e justiça na terra (Jr. 9.24).

Não há ninguém que mais incompreendeu a realidade que o próprio diabo. Mesmo diante da luz divina, de seu poder e autoridade, acreditou, de alguma maneira, que poderia existir à margem disso. Rebelou-se, simplesmente, porque tornou-se míope à verdade. Da mesma forma, os homens, quando não enxergam a realidade da contingência humana e da soberania divina, agem orgulhosamente, na presunção de que retêm algum controle sobre a vida. Agem como o diabo, pois se orgulham de suas presunções e todo orgulho como este é maligno (Tg. 4.16).

Ora, qual a melhor maneira de viver, então? Se não temos controle sobre o nosso futuro, se a contingência é a regra da vida, se há uma complexidade tão gigantesca nas relações humanas que esperar alguma obviedade é, nada menos, que insanidade; se, também, confiar em nossos planos e previsões, acreditando que eles nos garantirão um futuro melhor é a mais pura ingenuidade, resta-nos, apenas, reconhecendo que há um poder superior que, de alguma maneira, estabelece a ordem das coisas e direciona os destinos, abandonarmo-nos aos seus cuidados, permitindo que dele venha a direção dos nossos passos e o caminho que seguiremos.

Não há maneira mais excelente de se viver e nem mais inteligente. É por isso que aquele que sabe que deve fazer o mais excelente e não o faz nisso está pecando (Tg. 4.17). Se temos consciência que a maneira superior de vida é deixar-se guiar pela própria Sabedoria divina, viver abaixo disso apenas confirma nosso estado presente de corrupção. Acreditar que nossa vida está sob nosso controle é, assim, nada menos que estupidez.

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